segunda-feira, 11 de agosto de 2008

(Des)contando vidas

Muitas me chamam gatxinho, ficando eu envergonhado por pensar que é por fazer questão não cortar as unhas mais de uma vez por mês e de as trazer bem longas e tingidas de verde-acastanhado, especialmente a do 5º dedo, que uso tanto para limpar os ouvidos como para coçar cu e períneo, ou, então, por tentar lavar os tomates com a língua.

Hoje, golpe de clarividência, eis o porquê: vinha descansado na A1, seus 110-130 km/h consoante ultrapassava ou não, que S. Pedro decidiu regar-nos a todos com urina bem diluída em pleno (suposto) pico de Verão e os pedaços de plástico a que um dia chamaram pneus que trago montados na carrinha PDT2 são autênticos homicídios em potência, acabado de ultrapassar um par de camiões lentos, comitiva toda atrás e já pela esquerda, quando, aparentemente do nada, surge uma nuvem de pó claro vinda do separador central e aquilo que parecia ser um bloco de cimento, bem grande e energicamente saltitão, ressaltando primeiro na faixa da esquerda, depois na da direita, bem alto e à minha frente.
"Hum, filme de acção com cena de perseguição em AE logo pela manhã... Demasiado batido!" Num ápice passa a "Eh caralho, o actor sou eu!" e enche-se-me o corpo de catecolaminas, vislumbrando pelo canto do globo ocular um carro pela esquerda, uma berma não muito larga à direita e um rail metalicamente ameaçador, a alma de uma sensação de impotência que se confunde com resignação: "Estou fodido, sem sítio por onde fugir. O que tiver de ser, será".
Pé no travão, não muito pesado, que gramar com seis ou sete no cu de uma vez só deve deixar marcas e fica-se com um andar novo, por certo - isto de trânsito compacto e incumprimento de distância proporcional à velocidade e condições atmosféricas é uma merda.
Inspira-se profundamente, sustem-se a respiração nos milésimos temporais que restam até à colisão, o tempo abranda...
Bum!!, bate na frente; não há estilhaços de vidro nem uma nova cabeça de cimento. O cockpit-fortaleza permanece impenetrável, fruto de um rasgo de sorte no meio do improvável e hollywoodesco azar de cruzar, no preciso instante, a linha de fogo de um pobre desgraçado ou desgraçada que embateu no rail central no sentido oposto e projectou betão. What are the odds?
O tempo psicológico reaproxima-se do tempo real, os pulmões descomprimem, a carrinha encosta à berma, amassada um pouco por toda a frente e com especial atenção no lado do condutor, verte fluido de refrigeração não muito refrigerado, como natural é, e a partir daí segue-se um encadear fastidio-dispendioso de telefonemas, procedimentos policiais -bem simpáticos, por sinal, contribuindo para não lhes fazer piretes sempre que passo por uma BT, Ali G style, daqui em diante-, reboque, seguros e carro de substituição.

Bottom-line is: no curto par de segundos, era menos uma mísera fracção e teria apanhado o calhau no apogeu da sua ascensão e nem o melhor Giro integral me safava de "marrar contra um (poste de) cimento". É exasperante sentir um bichano de capa preta escondido na mala, desejoso de afiar a gadanha. Foi a segunda vez dentro de um carro, a primeira muito por minha inconsciente e física-aplicada-a-carros:ignorância-pura culpa; desta feita não, o que torna tudo muito mais injusto e quase revoltante.

Os gatos lusos diz-se terem 7 vidas; os saxónicos insulares do século X e seus descendentes e associados, 9. Um Felis domesticus tem, portanto, uma média de 8 vidas.
A questão que se ergue é, contudo, quantas caberão no volume mais diminuto de um gatinho. A avaliar pelos que são passados a ferro à entrada do quintal na santa terrinha, poucas.
Já gastei duas: convirá não abusar, nem sequer no infortúnio.

1 comentário:

Anónimo disse...

Miauuuuu...
Salvo seja quem mais vidas te fornecer. Por agora que vás gozando esta!

Mel