quarta-feira, 18 de março de 2009

Cura Espiritual

Regozijo em saber que a grande Instituição onde trabalho não cuida somente, mesmo nas enfermarias de Medicina, onde tudo é tão orgânico, da patologia fisico-fisiológica e que presta, acessória mas aprimoradamente, ajuda formativa no que toca ao campo da psiqué e espiritualismo. Crenças bem mais pragmáticas e com bases concretas são inculcadas nas mentes dos enfermos, adjuvando-os na recuperação total e desenvolvimento pessoal.
Se estais cépticos, atentai no seguinte:

Doente idoso, dentro da média, isto é, dos internamentos feitos, que no dia em que é recebido nas Urgências berra compulsivamente:
"Meu Deus, Meu Deus, Meu Deus!".

Um par de dias volvido, já nos pisos superiores e sujeito aos mais humanos cuidados, o discurso de apelativo chamamento proteccional é já:
"Arre foda-se! Caralho, Caralho, Caralho!"

Converteu-se.

terça-feira, 17 de março de 2009

Canta-se na noite de hoje

(Ao som de Azar na Praia de Nel Monteiro, como não podia deixar de ser, uma ode ao magnânime super-herói que faz cumprir a Lei e tremer os salafrários e sacripantas por este Portugal fora.
Tremei bandidos!; borrai-vos, malfeitores!; sucumbi ao poder do Regedor da Imaculada Desinfecção!)

I'ó Capitão Lixívias , "Ia ele mais eu"
Mas que grande bronca que aconteceu:
Houve um cozinheiro qu'as calças desceu
Mijou para a sopa e aos clientes deu.

Muito enervado, vestiu a capa ali
Puxou do crachá, ordenou "Alto aí!"
Não tinha pistola, eles também não
Mas puxou da sarda, findou a confusão.

(E eles, coitadinhos, muito aflitos gritavam assim: )

Ai, como é que eu hei-de, como é que eu hei-de?
Como é que eu hei-de sobreviver?
Com a peidinha toda esgaçada
E sem Salmonella dar de comer?

(Bis)
Já mais aprumado, escreveu ali
Aplicou o artigo, "Não se labuta mais aqui"
Brilhava no escuro, era o chefão
Autoridade de Saúde, era o Capitão.


terça-feira, 10 de março de 2009

Shattered

Sirene atrozmente macabra ecoando nos ouvidos, prenúncio de calamidade interna, de colapso visceral. Um estilhaçar da alma crivando o coração, trespassando-o de lado a lado originando grandes pequenos focos jorrantes: assim fiz toda a viagem, parando mais vezes do que consigo contar para um escorrer lacrimal soluçante, deixando um rasto de lembranças, saudades, medos e tantas certezas tornadas incertas.
A vida é uma puta mas quem se fode somos nós. Dói tanto...

domingo, 8 de março de 2009

A arte de bem flatular


Reencontro do núcleo-duro daquela ancestral Faculdade, que pecava já pelos adiares consecutivos e distância crescente entre alguns membros da seita, instantaneamente, ao bom estilo dos gajos, esquecida ao som estridente do primeiro "'Tás gooordo, caralho!" ou "Homeeeeeee!" e valente aperto de costado, com dose extrema de sincera saudade, podendo ser confundida com algum tipo de paneleirismo por quem de fora vê mas... Que se foda! Boa aparência e postura escorreita não faziam parte da lista de trabalhos do encontro da Brigada e os bons hábitos mantiveram-se, com um clima de caralhada da pior, comentários trolhescos e fácies de nojo e reprovação ao redor num restaurante pejado de tias ou pretendentes a. De qualquer das formas, comprovando uma antiga teoria que qualquer dia compartilho convosco, a postura de talhantes "bad boys" atrai gajedo e sofremos uma abordagem apresentativa da parte de uma qualquer senhora oriunda de uma mesa de tipas que, segundo tudo indica, iniciavam uma festa de despedida de solteira. Pena serem barrolhas senão...! Ah caralho, era um ver se te avias!.. Pagaríamos a conta e iríamos à nossa vidinha na mesma.

Cortando nas divagações pelo avançado da hora e pela perspectiva de precoce levante amanhã, que estar sozinho dá umas certas ganas de me pôr a falar para o boneco -escrever, neste caso, balelas e merdas afins-, apesar dos meses de penosa distância há hábitos verdadeiramente genuínos que nunca mudam, sendo um dos principais a libertação massiva e compulsiva de metano nos automóveis dos outros, uma prática engraçada, imensamente construtiva e de partilha ampla, fazendo recuar também ao tempo de um ainda mais atrasado Portugal em que os serões em família eram passados no binómio peido/risada.
Hoje, e já eu, outrora, havia tocado ao de leve, mas sonoramente, no assunto aquando de estadia curta no Cartola, não se ficou pelos veículos, desenvolvendo-se de forma quase automática, denotando apetência para a coisa, uma técnica que permite caminhar e arrebimbar uma bufarda tão decibélica quanto um tiro ao mesmo tempo, sem corte ou mudança de padrão de marcha, o que, feito em grupo, cria bastante curiosidade e sublime admiração a quem se desloca na nossa retaguarda ou queima uns alvéolos e alimenta umas mutações à porta de um qualquer café. "De quem será o cagueiro cantante?", pensam, coçando a cabeça. Mais intrigante se torna quando passa a ser um peido-polifónico, digno de constar nas listagens do Clube Jamba, ou, melhor ainda, um peido em stereo ou mesmo surround, fazendo desviar olhares e rodar cabeças o alegre e saltitante grupo que não pára, qual espectáculo teatral e de dança contemporânea ao mesmo tempo.

O próximo passo, figurando de forma não surpreendente no protocolo do lascanço, é fazer o mesmo sem o anonimato conferido pelo factor "grupo", preferencialmente em ambientes que acarretem algum risco, tema também já abordado e que, muito brevemente, figurará na listagem de façanhas já perfeitamente treinadas e dominadas. Apesar da diversão que proporciona e, consequentemente -e confiando num daqueles mails altamente científicos, dos anos de vida adicionais pelo condicionamento positivo cardiovascular que rir acarreta, os níveis de adrenalina permanecem baixos, não "dando pica" por aí além. Assim, sugiro, fundamentadamente, que todos vós, após conseguirem atingir o patamar da farpa pública sonora, experimentem cagar-se num recanto relativamente exíguo e pertencente a entidades hierarquicamente superiores, tendo plena noção da possibilidade de entrada em cena (de guerrilha química) de tais personagens e ideia alguma sobre o timing de tal hipotética aparição.
"PRRRRRRRRR! Ai e se o chefe chega? PRRRRRRRRFF!... PRRRFFffff. fff... Beifica!"
Esqueçam as drogas neuroestimulantes, esqueçam desportos que colocam em risco a vossa carapaça óssea e conteúdo bandulhal, esqueçam caminhadas sobre brasas, mergulhos em apneia e merdas afins! Haverá algo mais excitante que a possibilidade de ser apanhado a meio de uma descarga do vento merdoso?! Qual a reacção? Qual a admoestação? Qual a vossa cara e a cara do boss que assoma a focinheira à porta do empestado cubículo? Qual a desculpa esfarrapada que surgirá e será automaticamente proferida? Tudo isso incógnitas mais importantes e certamente mais interessantes que a génese do próprio Universo!
Se se quiserem rir nervosa e estupidamente, experimentem fazê-lo com alguém ao vosso lado que terá mais a cabeça no cepo do que vós próprios: pessoalmente, adoro esmerdar-me todo, após consumo prolongado de leguminosas, naquela de aumentar o factor "perigo", no gabinete do Chefe de Orto., ao lado do gabinete dos especialistas de Med. e contiguamente ao gabinete do meu próprio Director, neste último já em missão solitária.


Mas há lá coisa mais fácil que peidar, caralho?! Nem melhor...

sábado, 7 de março de 2009

Ao despertar

Já as tive bem piores, é certo, que deixariam qualquer pessoa minimamente equilibrada do quinto-esquerdo com vontade de internamento compulsivo, mas para primeira conversa do dia, olho meio-aberto e os outros totalmente fechados, não está mal, sendo até bastante edificante.
Aposto que, do outro lado, o estudo correu substancialmente melhor após tal estímulo mental.

Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World disse:
gay
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
foste partir uns cus ao gal(d)eria?
Pedro diz:
:)
Pedro diz:
tou am
Pedro diz:
a marrar
Pedro diz:
tas bueno?
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
com vontade de cagar
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
mas tenho medo de respingar o cu
Pedro diz:
caga para um adagio
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
vem apanhar o cagalhaozinho c a boca
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
assim se salpicar é saliva
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
ja nao enoja
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
se conseguir passar directo pela orofaringe sem te engasgar, ganho 10 pontos
Pedro diz:
lol
Pedro diz:
com esse cu largo, deves cagar mais grosso que longo
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
é da maneira q treinas esses dotes de fakir
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
depois cago-te pro cu e tornas-te fakur
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
qdo te pedeirares depois saem pedacinhos de cagalhao meu e teu
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
uma cena promíscua mas bastante colorida
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
várias tonalidades de amarelo-acastanhado
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
parece o outono
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
por falar em outono, já te caem os pintelhos de tanto os roçares com a mão?
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
bah, vou-te deixar estudar
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
nao te esqueças da pausa na casa de banho para partires desse putedo que para aí anda
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
cuidado é com a sífilis
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
se nao depois tenho de te cauterizar a ponta do caralho
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
é capaz de doer um bocadinho
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
mas se dói, é bom
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
apanha a filha-da-puta!
Xu - The All-Singing, All-Dancing Crap of the World diz:
***
Pedro diz:
lol
Pedro diz:
eu n tenho pintelhos


IS-PÉ-C-TA-CÚ-LAR!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Proctologia home-made

As saudades de inserir algo neste espaço que faça as delícias do vosso reflexo do vómito são tantas que, compulsivamente, vos deixo ficar um vídeo (isto na eventualidade de consegui fazer um streaming directo do dito) sobre um estudo altamente científico acerca das fibras nervosas de condução lenta e rápida da dor e do controlo vasovagal condicionado pela repetição do estímulo, pese embora não ser o último publicado on-line, mais que provavelmente.

O que tanto vos deixa em pulgas!

(afinal não consegui, estilo menino da Cova da Moura, fazer ligação directa. Há merdas piores, contudo, por isso importar-me-ei tanto com o incómodo que vos poderei ter causado como o excelentíssimo investigador apresentado se apoquentou com a limpeza do material utilizado finda a experiência)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Neve necrótica

Dista o corrente três semanas e quatro dias do mais gélido cair de neve de que reza a minha história: saído à pressa de Viseu após horas catecolaminizantes passadas ao telemóvel e enfrentando e chutando para bem longe a minha falta de apetência social misturada com desenrasque, eis que rumo sobrepressurizadamente e em grau IX numa hipotética escala de sociopatia até à cidade mais alta de Portugal e, nesse preciso dia, que tão bem justificava os cinco "F" pelos quais é conhecida - Forte e Farta, tão opostamente à imagem que se assomaria ao espelho caso o olhasse, erguendo-se à direita tipo torreão cruel, fazendo-me sentir ainda mais pequeno, insignificante, impotente perante a incontrariável linha de Khronos e sua Anaké; Fiel, agora já à semelhança do meu cerne, devoto aos meus, retornando às origens; Formosa e, ao mesmo tempo, tão feia naquele instante, numa mescla de encanto e terror; Fria...
Fria também, caía a neve lá fora, esmagando-se suavemente contra o pára-brisas da carrinha, com a sua magia e beleza até então inquestionáveis mas que, pioneiramente, em vez de embalar e adocicar a alma, gelava delicadamente alma e coração, agoirenta, arauto de más novas.
Tremia: tremia por fora, sacudia-se tudo por dentro de uma forma visceral, num reboliço monumental e nauseante, crescente num proporcional inverso aos quilómetros remanescentes. Curva brusca, travagem dura, um instantâneo desligar de motor; pausa de três segundos com hiperinsuflação pulmonar como quem inspira toda a coragem do Mundo e subsequente apneia momentânea, a querer não deixar fugir tal fulgor, concomitante ao colocar do pé esquerdo no tão real chão. A visão afunila a cada degrau galgado; as suprarrenais funcionam quase ruidosamente, rude e brutamente qual locomotiva a carvão; a respiração torna-se ofegante, cessa e, reflexamente à hipercápnia e apneia fugaz retentora de adrenérgica energia, inspira-se afogada e fortemente, na busca de qualquer microgrão de intrepidez que tenha escapado à anterior golfada de ar.
A porta abre-se a medo mas de forma concludente. Lá dentro, um cenário de prenúncio de funeral que me aterra e revolta ao mesmo tempo: um cruzar de braços e comiseração não, não lhos tolero e muito menos perdoo. Rompo corredor adentro, que tão longo e tão curto me pareceu, e sou atingido na face por um pesado murro odorífero a necrose que me faz cambalear e esgazear ainda mais o olhar, chamando à actina e miosina das coxas e pernas todo o ATP e creatina do corpo para não tombar, adjuvado por mais uma injecção de epinefrina que me faz ser mecânico e objectivo. Nova e derradeira porta - somente mais um, embora tão reforçado, esguicho adrenérgico; escancarei-a e posso jurar que a vi pairando em círculos sobre o leito, qual abutre invisível, estridente e enegrecida, em espreita há um, dois, três dias desde o AVC, agora em pleno afiar de garras e lâmina. A visão é medonha; as entranhas em anterior superagitação colidem uma derradeira vez e páram, geladas de vontade de se esfumarem desde o core até à pele, enquanto que igual desejo se apodera da barreira epidérmica em sentido inverso: a Avó jaz quase inerte, olhar fixo no nada, desidratada, sem reflexo pupilar, sem esboço de movimento reactivo à dor que tento causar, respiração funda, ruidosa, no limite... E o cheiro, deus meu, o cheiro! Tresanda à filha da puta tenebrosa que gira e rodopia, cada vez mais rápido, cada vez maior, e que tento afugentar pela porta aberta ou pela fresta da janela de madeira. Xô!, XÔ! Um espasmo global de saber que tenho de a deixar abandonada na companhia da Morte. Por favor, que não desça nos segundos seguintes...
Voo de encontro ao telefone, disco o 112 que, estranhamente, tão impossível foi a toda a gente marcar, debito a história, desanco dura e casernalmente os ocupantes da cozinha e, de um salto, estou no quarto novamente. As fornalhas das suprarrenais esgotam o carvão, o corpo e mente quebram aos embates visuais e do acre fedor, que me corrói os pulmões e todas as vísceras que não se conseguiram desmaterializar, e choro. Choro compulsivamente, já sem força para enxotar o espectro desapiedado, entregue aos remorsos de não poder estar mais presente, presente mais vezes, de confiar no que me transmitem telefonicamente. Presenciou-o unicamente a Avó; fora, sou implacável, de novo, e rapidamente, duro como granito, cortante como xisto, obstinado com o objectivo seguinte. Ligo para o Hospital da Guarda; "aguardam-na". Sigo atrás. Avaliação analítica, radiografia, início de correcção hidroelectrolítica, observação/orientação da U.P., TC-CE e massacrante atrofia cortical e quantidade de lacunas isquémicas em tempo-real; internamento. Muito carinho, muita companhia, toque mesmo que não sentido ou apercebido. Deve ser tremendamente assustador degladiar-se sozinho com tanta escuridão.
Gente boa, muito boa e humana, daqueles que poucos se fazem já. O meu bem-haja a vós os dois; a minha gratidão pelo abraço quase desconhecido mas tão terno e reconfortante.

A garra de quem lutou sempre pela vida, mesmo que à quase-fome, manifesta-se com unhas e dentes: demasiado esforço durante 92 duros anos para se deixar ir sem mais um round. Com ajuda, o bicho pneumófilo dá-se por vencido, o S. aureus MSR acalma, a hemiplegia deixa, subitamente, de o ser, o sangue já não é flor-de-sal, as glândulas lacrimais reagem a palavras que representam o seu próprio conceito de vida e à voz de quem com elas partilhou quase uma vida. Alta.

Para quando o próximo confronto, para quando a próxima angústia da eminência de perder uma parte de nós próprios, da partida de uma Pessoa? Não sei nem quero. Aproveitar os momentos que há, dar amor e apoio sabendo que em troca recebemos o possível bem-estar de quem nos é querido.
Nunca sonhei, no entanto, que, afásica, tivesse tanto para ensinar e tanta maturação e auto-conhecimento proporcionasse um episódio devastador destes. Se gosto do que descobri a todos os níveis, isso, é tema de outras conversas. Internas.