quarta-feira, 3 de junho de 2009

Orientando, parte #1

Macau é uma terra de contrastes, gigantescos contrastes culturais, sociais, económicos, audiovisuais, sendo, na verdadeira essência do que se pretende que se veja, uma mescla de pompa, soberba, ostentação e sobranceira pseudo-vida que serve de fachada, mal e porcamente - e ainda bem que não consegue sufocar e engolir a real componente da cidade -, ocidentalizada ou mesmo americanizada, à verdadeira vida e azáfama típica oriental.
É estranho, tão mais que as aberrações estruturais e luminosas que baptizaram de Casinos, ver os ditos mamarrachos erguendo-se capitalisticamente ao lado do que mais parecem gaiolas e que albergam um número imenso de famílias, labutantes por natureza, quer nesses mesmos locais de quase-culto asiático -sim, que a atracção, seja lá ela qual for, e vício do jogo correm-lhes nas artérias de calibre acentuado -, quer nas mil e uma lojas de comércio tradicional ou nem por isso, quer nas bancas de venda de rua, essas sim, repletas de cores inebriantes e cheiros tão massacrantes quanto cativantes, como que fazendo, por si só, uma impregnação cultural instantânea ou, quiçá, uma viagem aos tempos medievais ocidentais, exceptuando, creio, o odor a óleo que também embebe suadas vestes e cabelos.
Do alto, firme linha traçada entre o lazer LasVeguiano, transportado em Maybachs, S600, Astons, Bentleys e Royces, bem como em milenas de máquinas que variam entre o artilhadas com mestria - para se deslocarem somente, tipo jaula, neste pequeno pedacinho Chinês - e o parolamente ridículo que faria corar de vergonha até o pior azeiteiro luso-descendente, e a Ásia típica, chegando a causar um certo desconforto estomacal, mesmo a quem não se identifica em nada com o primeiro dos estilos ou manias, a ideia de cruzar o que aparentam ser as conhecidas favelas, cobertas de chapas de zinco fervente. Mas lá está, uma vez lá, dá-se a tal transformação temporocultural, envolvem dita em plena tranquilidade e, grande contribuição para tal, na simpática habituação ao estrangeiros, havendo mesmo quem ainda fale, orgulhosa e hospitaleiramente, Português, entrecortada por olhares mais jocosos e palavras provavelmente concordantes oriundas de jovens cabeças redondas uniformizadas de escolas e colégios. Retribuo, claro, não só com o cordial cumprimento que podeis ver na entrada anterior e outros de idêntico gabarito, como com as fotos que considero indispensáveis, racionando, infelizmente, o pouco espaço que o diacho do cartão tem disponível.

Gostei, gostei hoje, mais do que visitar os incontornáveis pontos em destaque no mapa turístico, de me perder sem tempo naquele formigueiro humano, de caminhar até pés e costas gritarem por clemência, suados até aos ossos desta temperatura sempre igual, rondando os 30ºC, e da humidade relativa de quase 90%; gostei e gosto da experimentação gustativa, dos cheiros, mesmo dos nauseabundos que me activam os neurónios motores de contracção gástrica e peristaltismo esofágico inverso, gosto da sensação de liberdade e mundanismo, apesar de me dirigir para junto de um dos magnificentes hotéis-casino, de ter que gesticular para que me entendam e, do outro lado, que tenham que fazer o mesmo, sempre de sorriso vestido, gosto de estar a milhares de quilómetros do que me é familiar, do que me é confortável, cómodo e não requer esforço de interacção. Gosto, por outro lado, da saudade, da saudade do meu cantinho, dos meus, do olhar embevecido que se me surge quando me assaltam, e tantas vezes, a memória. Sensação grandiosa, bem mais alta que qualquer arranha-céu.
Confesso que, apesar de tudo, gostei também de observar, na calmaria da noite de ontem, num recanto quase mágico da Taipa, junto ao delta malcheiroso e pedregoso, rodeado de silvados que resistem à forçada globalização, a fachada da península de Macau, tendo de confessar que, por breves instantes, a horteirice dos néons me pareceu linda.

Próximo passo, até à China Continental imiscuir-me em mercados, regatear, esquivar-me, espero, a uma valente caganeira, visitar Pequim e um sonho muralhesco que nutro desde criança, cansar-me que nem um burro, mirar uma qualquer colecção de soldados de terra-cota - espécie de merda, estou em crer, mas que me dizem ser cultural e rica e que me fará muito bem - e regressar à orla do Pacífico para visitar Hong Kong em dois electrizantes dias antes de quase 24 horas de viagem.
Ufff, a ideia faz-me alapar o cu no sofá com bastante veemência mas, paradoxalmente, cria uma mola bem potente que me impulsiona daqui para fora: vamos lá viver o Mundo!

















1 comentário:

João Rodrigues disse...

Também levaste com velhinhos a roer as unhacas dos pés?