quinta-feira, 4 de junho de 2009

Capataz


Vejo-me e revejo-me dezenas de vezes ao mês na sagrada posição de capataz, minha profissão, como vos disse anteriormente, de sonho, bem mais nobre, essencial e motivante do que a actual.
(Dreaming...)
A cadeirinha de lona desdobrável que equilibra o recostar, o chapéu de palha suado com fitinha do Benfica, barbicha de 3 dias por fazer, dando descanso à lâmina da BIC, já meia ruça a contrastar com a pele torrado-encardida pela poeira e sol, olhos semicerrados a maior parte do tempo, um respirar agreste e pesado do cigarrito mandado enrolar, dentes luzidios da limpeza do palito e goelas acabadas de pulverizar com aerossol de mentol e eucalipto, braços cruzados sobre o peito e apoiados na curvatura abdominal proeminente, unhaca do 5º dedo limpa com uma ponta-e-mola, calças de ganga rafadas e com manchas de cimento, diluente e sangue do último gajo que molengou, um colar de orelhas de preto ao pendurão no pescoço só para impor distâncias e respeito devido...
"Dinamizador de obras" na lapela e na boca palavras duras proferidas em voz grossa, fazendo girar o mecanismo operário: "Bexigas, caraaaalhoo!, toca a bufar mais massa na puta da betoneira!"; "Quim-Zé, seu cabaz de cornos alentejanos, mexe a puta da padaria e traz-me uma bejeca bem fresca, cabrão de merda!"; "Serafim, larga o focinho do estupor do Tibúrcio e vem cá coçar-me o forro dos colhões que tenho uma comichão do caralhinho!"; "Côdeas, é botar a merda do martelo no máximo até te arrancar esses apêndices sidosos de bêbedo desnutrido a que chamas braços!"; "Toca a andar, filhas de uma grandessíssima puta!"; "Sebento, manda aí uma boca com classe a essa vaca cuzuda que está a passar que eu hoje já trabalhei muito e estou cansado como o caralho!"; "Que merda foi essa, seu bandalho? Faltares ao respeito à senhora?! O que este animal queria dizer, querida, era que te metia p'ró cu como se fosse cona!"; "Beifica... tanta bergamassa nestes reservatório do amor e aquela porca de parreca desocupada..."; "Chapiscar, chapiscar, chapiscar, paneleirões!"; "Jaquim, anda cá sacudir-me o salho que acabei de me mijar todo!"; "Esbrilhava-te essa xoina toda!"; "Caraaaaaaaaaaaaalhoooooo...!"
E sai um valente escarro amarelo-esverdeado a misturar com a argamassa...
"Isto hoje a vida está um inferno..." Para que aboliram o uso do chicote...?

3 comentários:

Catsone disse...

:S, acho que nunca tinha visto/lido tamanha sucessão/variedade de baixo calão em tão pouco texto.
Tens de ir aquele programa do Guiness, se não ganhares nada, pelo menos tentas comer a Rita Andrade.

MA-S disse...

:S
Que enormíííssima riqueza de campo lexical que paira por aqui!

A. Taylor Still disse...

A beleza da escrita contida neste blog, está na variedade do vernáculo empregue.
Quase que me atirei para o chão a rebolar a rir.