sábado, 21 de junho de 2008

O café da minha aldeia é "fashion"

Demorei quase 26 anos a perceber isso mesmo. Parece mentira mas é a mais pura das verdades.

Sempre (houve momentos já, confesso, em que a ideia comportada pelo título me acossou, de forma subreptícia, a mente, também no mesmo local e pelos mesmos motivos, se bem que, e logicamente, menos gritantes. Já lá iremos) percepcionei o dito café da aldeia como um local de ajuntamento de gente tipicamente beirã: de modos abrutalhados, línguas mordazes e carregadas de saudações e tratos que orbitam em torno do salutar "filha da puta!", lábios e fígados sequiosos do bom catalino e sandes de cevada líquida, cifrando-se o consumo médio diário nuns respeitáveis, e arredondando por defeito, 5 litros per capita, discussões profundas acerca do Benfica e das casas de putas na raia, indumentárias impregnadas da árdua lavoura, botas polvilhadas de estrume, boina queimada do sol.
Diriam os meninos da cidade, daqueles com longos cabelos lustrosos e um qualquer cabriolet da moda paitrocinado pela conclusão do secundário, "ambiente de ruras" (claro que, e de uma forma imparcial sai a frase seguinte, deviam levar com umas enxadas no lombo para verem o que custa a vida e serem levados ao boi...). Não é, nunca o achei, até porque não sei que merda significa essa triste e pretensiosa expressão -nem mesmo quando é época dos "ah bon ah oui ah pfff!"-. Gente, na sua maioria, genuína, com defeitos inculcados pela cultura retrógrada e algo tacanha do Portugal esquecido, que acabam por se tornar em "feitio" generalizado.

Redondamente enganado andei até ontem, com as tais ameaças de clarividência suprarreferidas pelo meio: o café da minha aldeia é café de gente "posh"! (nunca vi por lá, facto é, a titular mais famosa de tal epíteto, mas, coitada, também não traria de lá a patareca orientada que a malta gosta é delas rechonchudas, não facilmente quebráveis - nada de fémures em forma de coxa e palitos fingindo que são pernas - e com pêlo na venta)
Tal conclusão fez a sua aparição, tal e qual vossa Sra. de Fátima mas sem a dita oliveira, que as não há por Leiria, depois de um repasto aquecido no microondas, tendo surgido a necessidade de uns mililitros de cafeína diluída, daqueles que se cifram lá bem em cima na tabela de rácio volume/preço, no estaminé mais próximo de casa, que se dá pelo pomposo nome de "Varandas do Sol". Não havia percebido muito bem o porquê de tal nome, que varandas não tem uma única e o sol não bate por lá, mas ontem -e que dia de revelações foi!- visionei e cheirei a explicação, que se entrecruza com a anterior: três mesas no exterior, pejadas de espécies e subespécies organizadas por grupos de peixes das profundezas hiperbáricas e nuli-iluminadas, daqueles feios como um burro e cujo estagnar no processo evolutivo é mais velho que a Sé da Guarda, que tinham vindo à superfície justamente apanhar Sol.
Decidido ficou, instantaneamente, ocupar uma das mesas interiores, na ânsia de vislumbrar algo com algumas parecenças humanóides. Qual quê!: no interior, a mostra de fauna subaquática prosseguia, com seres de escamas superiores que faziam lembrar um colete salva-vidas aberto até ao umbigo e com barbatanas caudais de cores berrantes mas encardidas, de escalpe seboso e donde brotava a mais farta, desengrenhada e piolhosa trunfa de que há memória; outros com camisas havaianas azuis que fariam corar de inveja Sonny Crockett e Rico Tubbs (o Testarossa havia sido trocado por um cortador de relva de 20 e tal barulhentos cavalos envolto em plástico de má qualidade e com dois pares de rodas mas que, em termos de parachoques, saias e ailerons futuristas -do espaço! Que bem se conjuga a vida subaquática com a extraterrestre!- e cachecóis e emblemas de Portugal e selecção de futebol , deixavam o dito Ferrari a anos-luz) combinadas com calças de bombazine de pregas bem vincadas e meiinha branca "sport"; ainda outros com mangas-cavas brancas riscadas das cores do mais emproado arco-íris e manchadas com o incontornável molhinho da bifana, fumando tão avidamente que, por certo, a concavidade malar que se notava era já constante; outros com bigodão à Chalana ou Tony, aspecto nacarado de se sentarem ociosamente ao (pouco) sol do submundo de onde sairam, e a omnipresente camisola do Benfas (agora aldrabei, mas tenho clara noção de as ter visto por lá).
Enfim, não há vocabulário que pinte tal retrato. Contudo, deixem que vos diga: Leiria merece ser visitada por tamanha concentração de labregos parolóides com aspecto marginal!

A verdadeira aparição ocorre mais a Norte, aos fins-de-semana. Peregrinemos, irmãos, com umas grades de cerveja e umas doses de cavalo em honra a tais personagens!

Eles andem aí aos magotes, são três, em grupos de cinco e já poisarem aos pares...

6 comentários:

Mayfly disse...

Não serias tu também uma dessas personagens que descreves? Se tu te visses de fora, objectivamente, como te descreverias? Sobretudo quando andas com o calção justo do ciclismo... :)

Badmadafaka disse...

como um gajo a roçar a azeitice mas com demasiado nível para ser considerado como tal. De vestes de ciclismo, o super-homem! loool

Unknown disse...

"deviam levar com umas enxadas no lombo..."

:D

Anónimo disse...

Que infame é aquele que renega as suas origens pelo simples facto de não ter alcançado a tão almejada inserção social!
Finalmente alguém que elogia os que vivem na sabedoria...
regalam-se com os 5 litros de cevada e alguns cm3 de biquinha porque na TVI surgiu um dia a intocável verdade que beber café afinal faz muito bem (as quantidades são tretas) e a bejeca afasta o cancaro e não faz barriga, essa cresce quando lhe apetece;
os benfas é que é bom porque já o dizia Salazar.

Enriquecido fica o SNS por a si pertencer um funcionário sotôr com tamanha afinidade com o zé povinho... sim, porque o chiq vai ao privado e nesse só daqui a uns anos arranjas o tacho!

lol

Da tua melzita :)

Anónimo disse...

Por estas bandas ha muitos cafes fashion! BEIFICA!


Pai do Tozé

Anónimo disse...

é mesmo muito, muito fashion....
e o café é do melhor.

tenho dito!!! beijos

p.s. e o meu primo fica sexy até de calçoes de licra ainda que com um arzito de virote mas... c'est la vie!